A
PRAÇA
A Praça do Ferreira é a capital da república do Ceará moleque.
É lá que a pilhéria e a compulsão a molecagem encontra seus maiores
representantes nos tipos populares originados das camadas mais pobres ou ainda
na boemia literária, escritores e poetas, oriundos da classe média. Segundo o
poeta Plautus Cunha, filho do genial Quintino Cunha, todo cearense carrega o
estigma da molecagem pois , “o moleque do Ceará, manifesta-se repentinamente em
qualquer cearense, e neste momento não há preocupação de classe ou posição
social; desembargadores, militares, políticos, eclesiásticos, comerciantes,
caixeiros, gente de rua, zé-povinho, respeitosas, engraxates, mães de família,
mocinhas, todos enfim, que nasceram no Ceará, guardam em si uma molecagenzinha
para disparar quando menos se espera.”
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A
GRANDE VAIA
Início dos anos
1940. O Ceará vivia uma das mais duras secas de sua história. Mas, em 30 de janeiro de 1942, houve quem chorou ao abrir a janela. O céu de
Fortaleza estava completamente coberto por nuvens negras. A população saiu às
ruas para comemorar as primeiras gotas, que logo se transformaram num belo
temporal. A chuva, porém, começou a cessar. Quando os primeiros raios de
sol apareceram entre as nuvens, um cidadão que estava na praça do Ferreira, no
centro da cidade, não hesitou: voltou-se para o astro rei, pôs as mãos em torno
da boca e começou a vaiar. A atitude contagiou dezenas de pessoas ao redor, que
prontamente soltaram uma tremenda vaia contra o Sol. Um repórter que estava no
local registrou o acontecimento e a “derrota” do povo. “Mas afinal o velho Rei
das alturas venceu, botando todo o corpo vermelho para fora das nuvens e
dispersando os vaiadores.” Em janeiro de 2009, em homenagem ao episódio
que ficou conhecido como A Grande Vaia,
o gesto se repetiu na praça do Ferreira. De acordo com a Prefeitura, daqui pra
frente, todo 30 de janeiro o Sol não terá mais paz na cidade.
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O CAJUEIRO DA CORAGEM
Por volta do ano de
1887, no tempo do Brasil-Colônia, o Ceará era governado pelo oficial da marinha
portuguesa Luiz da Mota Féo e Torres. Fortaleza era ainda uma pequena aldeia,
muito embora tivesse o status de capital do Estado. À época existia um frondoso
cajueiro no cruzamento das Ruas Pedro Borges, Major Facundo e Liberato Barroso.
No local onde hoje se encontra a Praça do Ferreira, havia uma vila de casas
conhecida por Beco do Cotovelo, de cuja extremidade partiam três
ruelas. Na saída de uma delas estava o cajueiro, à sombra do qual ficava o
açougue do Fagundes, que morava numa casinha em frente. Certa feita, ao passar
o governador em seu cavalo, um galho baixo da árvore arrancou-lhe o chapéu,
lançando-o ao solo. Como o açougueiro descansava por ali, o governador
ordenou-lhe que apanhasse o chapéu. O Fagundes nem se alterou. Não gostava
de ser mandado, muito menos quando o pedido não era feito com educação. O
governador insistiu colérico, mesmo assim, foi ignorado pelo açougueiro.
Irritado o governador foi embora, ameaçando mandar cortar a árvore. Do palácio,
na Rua Conde d’Eu, partiu a ordem de deitar abaixo o cajueiro. O açougueiro,
com a ajuda dos seus magarefes, não deixou que os soldados executassem a ordem.
É que o Fagundes já lançara por toda cidade o seu grito de revolta: vieram em
seu auxílio outros açougueiros, flandeiros, merceeiros, ferreiros, até os
pescadores da Prainha, todos armados com cacetes e facões, que fizeram a tropa
recuar. Levantaram-se então trincheiras na encruzilhada das três ruas
perpetuando o episódio: Rua do Cajueiro (Pedro Borges), Rua das Trincheiras
(Liberato Barroso) e Rua do Fogo (Major Facundo). Depois do episódio, o
governador desistiu de derrubar o cajueiro. Venceu a coragem de um povo
que tinha dignidade e brio. Extraído do livro História Abreviada de
Fortaleza e Crônicas sobre a Cidade AmadaAutor: Mozart Soriano Aderaldo
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TIPOS
POPULARES
Zé
Bedeu, o vulgo “guarda roupa” – era um
maluco que andava com 5 a 6 roupas de uma só vez (só trocava a ordem) e
perambulava pelo bairro Pan Americano. Outro popular era o Zé Tatá, um homossexual que andava a cavalo pela periferia
da Parangaba e tinha fama de valente. Na praça do Ferreira reinava o Burra Preta, desfilando com o balanço exagerado de sua
bunda desproporcional. Ainda temos a Vassoura,
que era o apelido de uma doida que perambulava pelo centro da cidade e ficava
possessa ao gritar seu apelido. Ainda temos Bode Ioiô, um bode em forma de gente! Tem gente que fala
de outros personagens e lugares: A boate Barba Azul, o Cabaré Senadorzão, na
rua Senador Pompeu, O Cabaré 90, Zé do Mangue, As
Panteras, Nadir Ai-ai, Eliomar Dodói e Maria-sem-fundo… bar
“Cabaré da Pirrita”, na Praia de Iracema, ou o forró do “Viva Maria”… O
escritor Otacílio Colares contribuiu, através do poema “Descante à cidade
amada”, quando apresentou mais tipos populares: Chagas dos
Carneiros, Jararaca, Zé Levi, Cheira-Dedos, Mimosa, Zé
Lapada,Cabeção e a Siri. Batista de Lima acrescentou, certa vez, mais
gente: Canoa Doida, Manezinho do Bispo e Roberto Carlos. Aqui só
tem figura…
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Bode Ioiô – Popularíssimo por volta de 1920, o bode Ioiô era um mestiço que carregava forte predominância da raça parda alpina, introduzida no Ceará pelos colonizadores. Em 1915 foi vendido por um retirante sertanejo para a Rossbach Brazil Company, empresa inglesa instalada na Praia de Iracema. Diariamente se dirigia à Praça do Ferreira, na época já era o centro cultural da cidade, onde funcionava os principais cafés como o Java, onde nasceu, em 1892, o movimento literário mais importante de nossa terra, a Padaria Espiritual. Dizem que o primeiro contato de Ioiô com os artistas que frequentavam o local pode ter sido feito com Raimundo Cela que de cara simpatizou com o animal. O certo é que, nessas andanças, tornou-se conhecido e querido por todos. Amigo dos boêmios e escritores de Fortaleza, muitas histórias são contadas sobre o bode que bebia cachaça e tinha preferência pelas moças. Informações sobre ele constam em livros de memorialistas cearenses do porte de Otacílio de Azevedo, Raimundo Girão e Raimundo Menezes. Daí ter sido embalsamado e doado ao Museu Histórico e Antropológico do Ceará em 1931. Sua história serviu de argumento para o filme “Um bode chamado Ioiô”, de Luiz Edgard Cartaxo Arruda, que nunca chegou a ser rodado. No filme, Ioiô ajuda a derrubar a oligarquia da família Aciolly. Ioiô participou de atos políticos em coretos, praças e saraus literários, comeu a fita inaugural do Cine Moderno, assistiu peça no Theatro José de Alencar, passeou de bonde, perambulou pelas igrejas e até pela Câmara Municipal. Segundo Raimundo Girão, autor do livro “Geografia da Estética Cearense”, o bode Ioiô era um cidadão como outro qualquer.
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Havia o Bembém Garapeiro, proprietário de um quisque que vendia caldo de cana defronte ao Passeio Público. Garapeiro era fascinado com os hábitos franceses da elite Fortalezence que imitava Paris. Com muito sacrifício, juntou dinheiro e realizou o sonho de conhecer a capital da França. Voltou impressionado e dizia que lá até as crianças, prostitutas e garis falavam francês. Aculturado, agora queria ser chamado de Bién-Bién Garapiére.
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Outro tipo
inesquecível foi o Manezinho
do Bispo, porteiro do palácio católico, que
tempos depois virou sede do poder executivo municipal. Pois bem, Manezinho era
um tipo esquisito. Usava um surrado paletó cinzento bem menor do que seu corpo
comportava, deixando amplamente à mostra o punhos brancos da camisa O cabelo,
ensebado e liso era muito branco. Se pretendia escritor e carregava sempre um
rolo de papel com seus escritos, poemas, pensamentos e aforismas. Do seu
talento surgiram pérolas como “amar sem ser amado é correr atrás de um trem e
perder”, “O bacharel pobre que casa com uma moça pobre dá um tiro com pistola
do passado nos miolos do futuro”, “gostaria de ser como as borboletas: as
borboletas voam e eu não vôo”ou então o poema dedicado a sua falecida genitora:
“Para minha ex-mãe”. Manezinho acordava de madrugada e escrevia poemas
aforismas que lhe pareciam geniais mas que eram motivos de risos na Praça do
Ferreira. Um dos seus clássicos foi o poema dedicado ao Brasil: “ Minha Pátria,
Minha Pátria/ Querida terra brasileira, / Por ti dou eu / Uma grande carreira.”
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Outro tipo mais
estranho do que engraçado foi Raimundo Varão,
poeta que tinha seis dedos em cada mão e possuía um um sapo como animal de
estimação. Os amigos dele diziam que Raimundo Varão tinha parte com o Diabo.
Uma histórias de Varão corroborou para esta a a lenda desta mefistofélica
parceria: Certa noite boêmia, o poeta terminou a farra na Praia Formosa em meio
a uma tempestade com raios e trovões. Raimundo Varão não se intimidou e berrava
ensadecido aos céus que Deus provasse a sua existência mandando um raio que o
partisse ao meio.
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O
CANOA DOIDA
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